Paulo Barros retornou à Vila Isabel com um desfile cheio de suas marcas registradas, como ilusões, carros coreografados e alegorias humanas. Trouxe também aquele que disse ser o carro de sua vida: um São Jorge móvel e gigante, feito principalmente de arame e papel brilhoso, acompanhado de um dragão que soltava fumaça. Foi uma versão hi-tech do santo que mais fez aparições nos dois dias de desfiles do Grupo Especial.
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O grêmio de Martinho celebrou as festas e sua relação com a fé após três anos de limitações pandêmicas. Começou nas esbórnias de Baco — o abre-alas jorrava “vinho” e trazia encenações eróticas — e foi até o carnaval, encerrando metalinguisticamente com o cortejo ao Rei Momo. Com um trabalho que o põe na disputa pelo título apesar do enredo fraco, Barros passou pelo Círio de Nazaré, por Parintins e outros festejos mundo afora.
O mestre-sala e a porta-bandeira trocaram de roupa, algo inédito em um quesito com apreço pela tradicionalidade. No segundo carro, dragões revelaram-se dançarinos fantasiados que desceram para a pista. Mas nada animou a plateia como o santo guerreiro.
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A ideia inicial era que a alegoria fosse fechada, mas o carnavalesco mudou de ideia ao vê-la vazada durante o processo de execução. Ele disse que o carro tem cerca de 14 metros, ressaltando que “essa história de altura e tamanho não é uma tara minha”. O que importa, afirmou, é a concepção:
— É o carro da minha vida, acho que ele vai entrar para o rol das peças que eu considero mais contemporâneas do carnaval — disse ele, chamando a obra, que era operada manualmente por pessoas no seu interior, de “muito significativa”.
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É um Jorge bem diferente dos que a Grande Rio trouxe no domingo em sua homenagem a Zeca Pagodinho. A devoção do artista juntou-se a uma coincidência: a escola venceu seu primeiro campeonato no ano passado desfilando em 23 de abril, dia do santo sincretizado com Ogum.
Foi na Alvorada de São Jorge que os caxienses começaram sua peregrinação pelos subúrbios atrás de Zeca. A fé apareceu já na comissão de frente, mas foi nos dois chassis do abre-alas concebido pelos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad que as imagens se multiplicaram em número e forma.
Eram 37 esculturas de São Jorge no carro, entre elas algumas que giravam. As releituras foram feitas pela escultora Marina Vergara, inspiradas em representações do santo pelo mundo e nas obras de outros artistas. No segundo chassi, Ogum apareceu em uma moto, carregado por romeiros, simbolizando a luta contra os dragões combatidos diariamente.
Antes da Grande Rio, São Jorge já havia aparecido no Império Serrano, com sua ode ao sambista Arlindo Cruz. O santo é padroeiro da escola da Serrinha, e abriu caminho para sua passagem no retorno à elite do carnaval carioca.
O carnavalesco Alex de Souza trouxe no seu primeiro carro 11 dragões que o Império precisa derrotar. Não é uma coincidência, mas uma alusão ao número de coirmãs no Grupo Especial.
A Imperatriz Leopoldinense também trouxe referência ao santo. Em uma ala batizada de “Manda Chamar Jorge”, o santo foi usado pelo carnavalesco Leandro Viera para retratar a presença de figuras sacras católicas nos cordéis.
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