Por Ana de Hollanda, cantora e compositora, titular Abramus, foi ministra da Cultura
Em 2011, quando assumi o Ministério da Cultura, eu tinha plena consciência da gravidade do uso irresponsável da internet, uma ferramenta nova, ainda não prevista em nossa legislação. Bem antes disso, já acompanhava as queixas de colegas músicos, compositores, cineastas, escritores, produtores sobre a fragilidade dos direitos autorais. Ao anunciar que o MinC revisaria o Anteprojeto da Lei dos Direitos Autorais, devolvido para análise pela Casa Civil, uma reação desproporcional emergiu de certos grupos de ativistas radicais sem ideologia clara, aspirantes a ministro, blogueiros, políticos paradoxalmente de esquerda e jornalistas de oposição. Rapidamente detectamos uma campanha orquestrada. Se, por um lado, em minha nomeação recebi apoio de centenas de artistas, a partir de certo momento a maioria foi silenciando, e muitos me procuraram para dar solidariedade sem divulgá-la, uma vez que a campanha passou também a difamar qualquer um que me apoiasse. Compreensível, pois é sabido que o artista depende muito de boa imagem junto à mídia e ao público.
Para poder me dedicar às várias frentes do ministério, a partir da constatação da desestabilização, resolvi ignorar as intrigas e me concentrar no que realmente importava. Um colega, também ministro, percebendo a analogia entre as duas questões, me recomentou que procurasse a Casa Civil para que o MinC contribuísse na elaboração do Marco Civil da Internet, em andamento. Lá, o responsável pelo assunto foi inflexível contra minha participação. Vim a saber, mais tarde, que o ocupante daquele cargo — estratégico no governo — mantinha ligação forte com o Google, onde trabalhara anteriormente. A presença do Google cada vez mais se tornava evidente não só naquela Casa, como noutros ministérios centrais.
Foram meses de consultas a diversos juristas e setores que não tinham sido ouvidos anteriormente, antes de encerrar o processo que seria encaminhado à Casa Civil, onde passaria por discussões entre representantes de outros ministérios, potencialmente interessados, antes de ser enviado ao Congresso.
A grande apreensão era a velocidade com que conteúdos insólitos se disseminavam nas redes, provocando prejuízos autorais, morais e patrimoniais a detentores de direitos. Os provedores de internet, por seu lado, alegavam ser impossível controlar tudo o que fosse postado por terceiros. A solução encontrada pela Diretoria de Direitos Autorais foi criar um mecanismo inspirado numa jurisprudência americana conhecida como notice and take down, que, por sinal, esteve temporariamente presente no Anteprojeto do Marco Civil da Internet. Em nossa proposta, por meio de notificação extrajudicial, a parte ofendida comunicaria o uso não autorizado ao provedor de hospedagem, que deveria retirar do ar o conteúdo, sob pena de se tornar corresponsável pela infração.
O Anteprojeto da Lei de Direitos Autorais foi encaminhado à Casa Civil no primeiro semestre de 2012 para, depois de avaliação e aprovação, ser enviado ao Congresso. Só que as reuniões esbarraram na inexistente boa vontade do então subsecretário de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. As hostilidades pessoais, àquela altura, tomaram formas mais duras em blogaços, tuitaços ou em locais públicos — que chegaram às raias da agressão física — e até em sérias ameaças voltadas não só a mim, como a meus filhos.
Saí do ministério em 13 de setembro de 2012 e assisto hoje, com alívio, a essa afronta à governança ser enfrentada pelo STF.
Artigo publicado no jornal O Globo, em 14 de dezembro de 2024
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